Voto Eletrônico, Voto Seguro?

segunda-feira, março 19

Reforma eleitoral e o voto eletrônico


Por José Rodrigues Filho (*)

Neste texto, a tentativa é feita para tratar das conseqüências perversas das reformas partidárias e eleitorais ocorridas no Brasil, visto que tais reformas visaram mais a atender interesses dos políticos e seus partidos e da própria Justiça Eleitoral, do que do eleitorado brasileiro, através da utilização de mecanismos que vieram eliminar barreiras referentes ao ato de votar.

Aliás, em alguns países, tem havido esforços para eliminar barreiras e facilitar o ato de votar, porém muito pouco tem sido feito para melhorar o engajamento dos cidadãos nas decisões políticas e no processo democrático. Vejamos o caso do voto aos 16 anos no Brasil. Não há dúvidas de que há uma ampliação do número de votos, mas não necessariamente da democracia. Mais votos para os políticos, porém quase nenhum engajamento da juventude na ampliação da democracia e de suacidadania. Merece muita preocupação a mais recente pesquisa feita no Brasil sobre a compra de votos. Lamentavelmente, a compra de votos nas últimas eleições foi mais acentuada na faixa etária dos mais jovens.

Curiosamente, no Brasil, a maioria da população não acredita nos políticos e seus partidos, mas confia cegamente nos instrumentos que facilitam e eliminam as barreiras de levá-los ao poder, a exemplo do voto eletrônico. Considerando que a literatura tem demonstrado que, em várias partes do mundo, a tecnologia de informação vem reforçando as instituições, mas fazendo muito pouco em benefício da democracia, a nossa suposição é a de que, no Brasil, o voto eletrônico vem trazendobenefícios para os políticos e prestigio para a própria Justiça Eleitoral, em detrimento de nossa cidadania.

No final das eleições passadas, as autoridades brasileiras comemoraram, mais uma vez, o sucesso do voto eletrônico no Brasil, mas deixaram de informar à população brasileira, pelo menos até agora, que as pesquisas estão registrando que tivemos a maior compra de votos já registrada no país. Por outro lado, o percentual dos que não votaram em deputadosfederais aumentou em relação às eleições passadas. É possível que a campanha do voto nulo no Brasil tenha tido um efeito negativo nas eleições de senadores e deputados federais.

Nos países desenvolvidos, a utilização do voto eletrônico tem sido defendida como forma de aumentar o comparecimento às urnas. Ora, se este comparecimento está diminuindo no Brasil em relação às eleições de senadores e deputados federais, mesmo com o voto eletrônico, é um sinal de que a nossa democracia está enferma. Neste caso, o voto eletrônico está servindo apenas para ofuscar um problema maior – déficit democrático e cidadania reduzida (1). Além de ser questionado do ponto de vista de segurança e elevados custos, qual o papel do voto eletrônico num contexto de elevada corrupção e crescente compra de votos? Qualquer reforma eleitoral que não venha orientada para reduzir o déficit democrático neste país, como já foi comentado neste espaço, servirá apenas para reforçar as perversidades que afastam os cidadãos da participação democrática. O pior é que a cada eleição que passa a situação está se deteriorando, a exemplo da insignificante representação feminina na Câmara dos Deputados.

Ademais, historicamente, diante da falta do engajamento dos cidadãos, construiu-se um império de corrupção, onde o dinheiro está sufocando a nossa democracia. O custo de ser eleito explodiu de tal forma que um cidadão comum jamais será eleito. Portanto, quando o custo médio de se ganhar um assento na Câmara dos Deputados, por exemplo, alcança as cifras de milhões de reais, não podemos mais nos referir ao Congresso Nacional como a “Casa do Povo”, pois tudo pertence aos maiores lances.

Com isso, torna-se difícil se ter um governo do povo, para o povo e pelo povo.

O voto eletrônico no Brasil não poderá continuar sendo discutido apenas do ponto de vista de segurança e custos, mas em relação à democracia e à cidadania. É muito fácil para corporações e até para a própria Justiça Eleitoral tentar desmoralizar depoimentos desfavoráveis de acadêmicos brasileiros que suspeitam da segurança do voto eletrônico, mas, comcerteza, será muito difícil defender as fragilidades de nossa democracia e enaltecer a cidadania desmoralizada de um povo que vota eletronicamente, mas ainda é carente de um mínimo de serviços de saúde, de educação e de segurança.

O problema dos cidadãos brasileiros não se restringe ao ato de votar. Democracia não é só votar, mesmo que seja eletronicamente. Os povos em países de democracia tradicional mais perfeita e de cidadania reconhecida ainda pensam sobre o papel do voto eletrônico para uma democracia. Espera-se que, nas discussões de uma reforma eleitoral, o voto eletrônico seja discutido em relação a nossa democracia e cidadania e não apenas como mecanismo de facilitar o ato de votar e o trabalho de administrar eleições, que resultam na eleição dos mais ricos e poderosos e até de gangsters que sufocam a nossa democracia com dinheiro sujo.


(1) Este texto é um resumo de trabalho que será apresentado na Conferência Internacional de Cidadania, Identidade e Justiça Social, a ser realizada na Universidade de Windsor, Canadá.

(*) José Rodrigues Filho foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba.