Voto Eletrônico, Voto Seguro?

terça-feira, outubro 3

A urna eletrônica é confiável?

Por Ilton Carlos Dellandréa, desembargador aposentado do TJRS, foi Juiz Eleitoral em Iraí, Espumoso, Novo Hamburgo e Porto Alegre

Um computador, por mais protegido que seja, é vulnerável a vírus e invasões cujos métodos se aperfeiçoam na proporção dos aplicativos protetores.

A urna eletrônica usada nas eleições do Brasil é semelhante a um micro. É programada por seres humanos e seu software é alterável de acordo com as peculiaridades de cada pleito. Por ser programável pode sofrer a ação de maliciosos que queiram alterar resultados em seus interesses e modificar o endereço do voto com mais facilidade do que remeter um vírus via Internet. Além disto, pode desvendar nosso voto, pois o número do título é gravado na urna.


Há vários tipos de fraude. Por exemplo: é possível introduzir um comando que a cada cinco votos desvie um para determinado candidato mesmo que o eleitor tenha teclado o número de outro.
Talvez eventuais alterações maliciosas sejam detectáveis a posteriori. Mas descobrir a fraude depois de ocorrida não adianta. O importante é prevenir.

A preocupação com a vulnerabilidade da urna eletrônica é antiga. Pode ser acompanhada no site http://www.votoseguro.org/, mantido por técnicos especializados, engenheiros, professores e advogados que defendem que a urna eletrônica virtual – que não registra em apartado o voto do eleitor e que será usada nas próximas eleições – admite uma vasta gama de possibilidades de invasões, sendo definitivamente insegura e vulnerável.

O engenheiro Amílcar Brunazo Filho (especialista em segurança de dados) e a advogada Maria Aparecida Cortiz (procuradora de partidos políticos) lançaram, há pouco, o livro Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico, pela All Print Editora, que é no mínimo inquietante. Mesmo para os não familiarizados com o informatiquês ele leva a concluir que as urnas eleitorais brasileiras podem ser fraudadas.

São detalhados os vários modos de contaminação da urna e se pode depreender que, se na eleição tradicional, com cédulas de papel, as fraudes existiam, eram também mais fáceis de ser apuradas, pois o voto era registrado. Agora não. O voto é invisível e, como diz o lema do Voto Seguro: eu sei em quem votei, eles também, mas só eles sabem quem recebeu meu voto, de autoria de Walter Del Picchia, engenheiro e professor titular da Escola Politécnica da USP.
O livro detalha a adaptação criativa de fraudes anteriores, como o voto de cabresto e a compra de votos, e outros meios mais sofisticados, como clonagem e adulteração dos programas, o engravidamento da urna e outros. São possíveis fraudes tanto na eleição, como na apuração e na totalização dos votos.

Os autores mostram que a zerésima – neologismo criado para definir a listagem emitida pela urna antes da votação com os nomes dos candidatos e o número zero ao lado, indicando ausência de votos, na qual repousa a garantia de invulnerabilidade defendida pelo TSE –, ela própria pode ser uma burla, porque é possível imprimir o número zero ao lado do nome do candidato, e ainda assim haver votos guardados na memória do computador (página 27).

O livro não lança acusações levianas. Explica como as fraudes podem ocorrer e apresenta soluções, ao menos parciais, como o uso da Urna Eletrônica Real – que imprime e recolhe os votos dos eleitores em compartimento próprio – ao contrário da urna eminentemente virtual, que não deixa possibilidade de posterior conferência.

O mais instigante é que os autores e outros técnicos e professores protocolizaram no TSE pedidos para efetuar um teste de penetração para demonstrar sua tese e eles foram indeferidos, apesar da fundamentação usada (no site Voto Seguro pode se ter acesso ao teor do pedido).

Cita-se Relatório Hursti, da ONG Black Box Voting, dos EUA, em que testes de penetração nas urnas-e TXs da Diebold demonstraram que é perfeitamente possível se adulterar os programas daqueles modelos e desviar votos numa eleição (página 25). Pelo menos 375 mil das 426 mil urnas que serão usadas nas eleições de 2006 são fabricadas pela Diebold. Elas foram recusadas nos EUA e no Canadá.

É óbvio que a fraude não necessariamente ocorrerá. A grande maioria dos membros do TSE e dos TREs, desde o mais até o menos graduado, é honesta e, por isto, podemos dormir em paz pelo menos metade da noite.

Mas depois que se descobriu que o Poder Judiciário não é imune à corrupção – veja-se o caso de Rondônia – nada é impossível, principalmente no campo eleitoral. Por isto é incompreensível a negativa do TSE em admitir o teste requerido e, o que é pior, insistir em utilizar a Urna-E Virtual com apoio na Lei n. 10.740/03, aprovada de afogadilho e sem o merecido debate, ao invés da mais segura Urna Eletrônica Real.


Se não é certo, em Direito, dizer que quem cala consente é, todavia, correto dizer que quem obsta o exercício de um direito é porque tem algo a esconder. Ou, por outra, que algo aconselha a ocultação. Ou porque – e agora estou me referindo ao caso concreto – se intui que pode haver alguma coisa de podre no seio da urna eletrônica que poderia provocar severas desconfianças às vésperas do pleito.

Fonte: Ajuris